Por que as pessoas criam perfis falsos nos aplicativos de pegação?
Alto, com ombros largos, loiro e sorriso marcante. Era esta a aparência que Júnior* mostrava no aplicativo de relacionamento que ele utilizava. O publicitário de 27 anos não lembra exatamente quando foi que começou a utilizar um fake nos apps de relacionamento, mas, quando percebeu, ele já estava utilizando mais a sua conta falsa do que a verdadeira.
"Eu sempre ficava no vácuo ou não recebia atenção de quem me respondia. A sensação era de que as pessoas respondiam apenas por educação, isso quando respondiam. As pessoas que eu queria me relacionar também me pareciam inatingíveis. Acho que foi mais ou menos na época em que tive essa percepção que comecei a utilizar um perfil falso", conta ele.
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A criação de um perfil falso não é difícil. A maioria dos aplicativos não pede a verificação de conta de e-mail no processo de cadastro, então, qualquer conta inventada pode ser utilizada ao criar um novo usuário. Para as fotos de perfil, Júnior conta que encontrava todas na rede social Tumblr, isso quando não usava imagens de usuários do próprio app de outros países.
"A situação mudava completamente quando eu estava com minha conta fake. Eu achava muito incrível o fato de que, por eu estar me mostrando como um cara bonito, másculo e em forma, todo mundo me respondia, todos puxavam conversa. Era como se eu, finalmente, existisse ali, sabe? O que era muito doido, porque era o perfil de uma pessoa que não é real", explica o publicitário.
Do primeiro até o último fake, Júnior disse que não ficava com a mesma conta por mais do que quatro meses, por ser impraticável. "Você começa a interagir com as pessoas e, mesmo aquelas que você começa a conversar sem segundas intenções, uma hora querem sair para beber, para se encontrar e, por motivos óbvios, você não pode ir. Acho que fiz uns dois ou três bons amigos nos apps e me senti muito tentado em abrir o jogo com eles, mas não podia fazer isso."
A vida imita a arte (e vice-versa)
O uso de identidades falsas não é só um problema na vida real. Na comédia romântica recém lançada da Netflix, "Sierra Burgess É Uma Loser", a personagem título se envolve com o protagonista masculino do filme utilizando uma identidade falsa e, por grande parte do filme, todo o contato dos dois é feito por meio da internet, com Sierra utilizando nome e fotos de outra garota para manter o interesse do atleta nela.
"É viciante. Você recebe toda aquela atenção, você se sente desejável, as pessoas realmente querem falar com você, e em alguns momentos você quase esquece que aquela pessoa que você está interpretando não é você mesmo", conta Júnior.
A psicoterapeuta Márcia Tabone explica que existem várias razões que levam as pessoas a criarem um perfil falso, mas que a insegurança quanto ao próprio ser permeia quase todas. "Insegurança e medo de rejeição muitas vezes estão por trás do perfil falso. Em geral, pessoas que não são maduras o suficiente para aceitarem a si mesmas como são na realidade são aquelas mais propensas a cultivar um fake, já que ele pode esconder um defeito físico que ela possa ter ou o fato da pessoa estar fora do padrão de expectativas da sociedade."
A segurança que a internet dá aos usuários, ao proteger a identidade, além da facilidade de contato por apps, também acaba sendo um incentivo indireto à criação destes perfis. "Existem pessoas que querem obter vantagens em proveito próprio com estes perfis falsos ou cometer crimes, fraudes, vender ilusões, causar danos materiais ou morais, investigar ou espionar a vida de outra pessoa… Enfim, a gama de motivos é enorme, mas é sempre em função de limitar a exposição de seu verdadeiro 'eu', por ter compromissos, como casamento, compromisso sacerdotal, profissional ou apenas uma característica física ou de personalidade que não quer que seja exposta", diz a psicoterapeuta.
Ela, ainda assim, alerta que não é possível se dissociar complemente da imagem criada. "Ninguém é 100% fake. Sempre há algo real nos perfis inventados. A internet se tornou local seguro e facilitador para aqueles que possuem dificuldades sociais e possibilita esse tipo de esquema", finaliza ela.
*nome fictício
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