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"Seu cabelo é nojento": apps de relacionamento são palco para discriminação

Deu Match!?

04/01/2019 04h00

(Foto: Pexels)

Seja piadinhas sobre peso ou aparência física, insultos por conta da cor da pele e até discriminação por causa da profissão ou poder aquisitivo. Todas essas situações infelizmente acontecem na vida real, e acabam ocorrendo também nos aplicativos.

A enfermeira Rosângela*, de 26 anos, resolveu testar o Tinder por insistência de amigas, mas hoje se arrepende disso. Algumas semanas depois de instalar o app, a moça deu match com um rapaz boa pinta e que parecia gente boa, mas só parecia.

"A conversa até que estava fluindo e eu achei que fosse dar em algo, mas logo que mandei fotos mais atuais minhas, com meu cabelo natural, o tom dele mudou", relembra ela. Segundo Rosângela, o rapaz começou a atacar dizendo que ela deveria usar o cabelo alisado como nas fotos do perfil, porque cabelo crespo era nojento, anti-higiênico e a deixava feia e com "cara de favelada". "Na hora que eu li aquilo eu nem soube o que dizer, mas eu fiquei tão mal que precisei de um tempo pra me recuperar. É tão difícil para nós, negras, nos amarmos nessa sociedade que valoriza tanto traços que não são os nossos, que foi difícil para mim deixar de lado as palavras dele. Mexeu com minha autoestima", afirma ela.

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Com outro relato desagradável relacionado a apps está o garçom Afonso Leme, de 25 anos. O jovem não tem vergonha de sua profissão, mas bem que já tentou esquecê-la na hora do flerte. "Eu trabalho em uma churrascaria na Vila Olímpia, então acho que pela região tem muita gente em empregos bons e que trabalham em boas posições. Todos os matches que dei sempre rolava uma química, mas quando chegava na hora de falar de emprego e eu contava que era garçom, na hora as coisas esfriavam. Eu achei que era meu jeito, coisas que eu falava, minhas fotos… Demorou muito tempo para eu descobrir que era por causa do meu emprego que eu era rejeitado. Sou uma boa pessoa e me parece muito errado ser descartado só pelo meu trabalho. Sou honesto", diz ele.

A confirmação de que ser garçom não era tão atraente veio de um match de Afonso, que disse que seria difícil para os dois se relacionarem já que ele não poderia acompanhar o estilo de vida da moça, que era gerente sênior em um multinacional. "Não é como se eu fosse ser garçom o resto da vida, mas é o que faço hoje em dia e não tenho vergonha disso", conta ele.

De acordo com o psicólogo Moisés Luz, ambientes virtuais podem ser mais conducentes à práticas de discriminação, tornando-as comuns até mesmo nos apps de relacionamento. "Os ambientes virtuais facilitam que as pessoas expressem qualquer sentimento ou emoção, muito pelo fato da pessoa não estar presente fisicamente. Assim, existe aquela falsa ideia de liberdade que, junto da impunidade esperada, pode ser propulsor para que os usuários digam coisas que talvez pessoalmente não teriam coragem", diz.

A estudante Naiara Peres, de 17 anos, sentiu na pele essa situação. Usuária de Tinder e Happn, durante as eleições a jovem utilizou fotos de perfil nos apps com referências ao candidato Fernando Haddad (PT). Ela não achava que isso fosse causar algum problema, até que deu match com um usuário antipetista. "Acho que no começo da conversa ele não tinha reparado que eu usava stickers do Haddad, mas lembro que foi logo depois do resultado do primeiro turno que ele me perguntou se eu apoiava o PT e depois que disse que sim ele começou a me atacar, dizendo que nordestino era tudo burro, que a gente estava afundando o Brasil, que eu tinha que voltar para minha terra. Foi horrível", conta Naiara.

Porém, a estudante não se intimidou. Depois de fuçar o perfil do usuário, descobriu que ele era estudante de uma escola no mesmo bairro em que Naiara mora. Munida de denúncia e prints dos insultos, ela apresentou todos os documentos à direção da escola, que suspendeu o aluno por alguns dias.

"O que causa a discriminação são ideias preconcebidas, aversivas e preconceituosas que o indivíduo projeta no outro, no que diz respeito, a orientação sexual, classe social, raça e até mesmo características físicas e estéticas, porém, no que se refere a apps, vale a pena lembrar que tudo que é lançado nas redes deixa rastros, e no caso da ocorrência de uma discriminação preconceituosa, a atitude mais sensata a se tomar é denunciar aos órgãos competentes", afirma o psicólogo.

Caso você seja alvo de discriminação em aplicativos ou redes sociais, é possível fazer uma denúncia no sistema do Ministério Público Federal. A ONG SafernetBrasil, que trabalha pela defesa dos direitos humanos na internet, em parceria com o próprio MPF, criou o portal Denuncie.org que encaminha as mais diversas denúncias anônimas para os órgãos competentes.

*Nome alterado à pedido da entrevistada

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